A Índia vai inaugurar nesta quarta-feira a estátua mais alta do mundo, com 182 metros de altura e custo de mais de R$ 1,5 bilhão.
A obra tem sido motivo de atrito entre o governo e agricultores locais, que se queixam do fato de o Estado ter gasto tanto dinheiro enquanto muitos têm enfrentado dificuldades.
Vijendra Tadvi, um dos moradores do Estado de Gujarat – onde o monumento foi erguido, no oeste do país -, lutou por anos para ter acesso a água para irrigar sua fazenda de três acres.
Hoje com 39 anos, ele planta pimenta, milho e amendoim.
Como milhões de agricultores na Índia, depende das chuvas das monções para irrigar sua colheita – no resto do tempo, ele retira água da lençol freático, que corresponde a 80% da oferta de água para irrigação.
Longos verões secos seguidos e chuvas erráticas levaram a frequentes secas no país e diminuíram a renda de fazendeiros como Tadvi.
Em 2015, ele conseguiu um trabalho extra para complementar sua renda – como motorista no canteiro de obras de construção da estátua, que estava sendo construída pelo governo do Estado do Gujarat.
O tributo ao líder da independência indiana Sardar Vallabhbhai Patel custou 29,9 bilhões de rúpias, ou R$ 1,5 bilhão. E o governo do Estado teve que custear mais da metade desse valor – o resto veio do governo federal ou de doações.
“Em vez de gastar dinheiro em uma estátua gigante, o governo deveria usá-lo para melhorar as condições dos agricultores e do distrito”, diz Tadvi, que afirma que os agricultores da área não têm nem a infraestrutura mais básica de irrigação.
Quando a estátua ficou pronta, Tadvi conseguiu se recolocar e continuou trabalhando em outros canteiros de obras na região. Mas continua insatisfeito com o gasto público com a obra faraônica.
O monumento foi apelidado de “estátua da unidade” e é a peça principal de uma série de homenagens a Patel. O líder nacionalista nasceu em Gujarat e se tornou o primeiro ministro do interior da Índia independente, e também o primeiro ministro interino sob Jawaharlal Nehru.
A atual primeiro ministro indiano, Narenda Modi, que também é de Gujarat, encomendou a estátua quando foi ministro chefe do Estado, em 2010.
Nos últimos anos, o partido de Modi, o partido hindu nacionalista BJP (Partido Bharatiya Janata) tem evocado a figura de Patel em uma tentativa de se colocar como representante de seu legado.
Eles acusam a oposição, o Partido do Congresso, de deixar a imagem Patel de lado para beneficiar os descendentes de Nehru, três dos quais serviram como primeiro-ministro.
O Partido do Congresso governou a Índia por 49 dos 71 anos desde a independência.
Os planos para o memorial a Patel incluem um hotel três estrelas, um museu e um centro de pesquisa de assuntos sobre os quais ele se interessava – como “boa governança” e “desenvolvimento agrário”.
Tudo isso será a cerca de 10 km da vila de Tadvi, Nana Pipaliya, no distrito de Narmada – uma região predominantemente pobre e rural.
Muitas das famílias na região continuam a sofrer com fome e malnutrição, e o índice de crianças matriculadas em escolas primárias tem caído, de acordo com um relatório de 2016 publicado pelo próprio governo do Estado.
O governo diz que o memorial vai melhorar a economia do distrito, já que eles esperam cerca de 2,5 milhões de visitantes por ano. “Vai gerar oportunidades de emprego para os locais e aumentar o turismo na área”, diz Sandeep Kumar, um dos membros do governo envolvidos no projeto.
Moradores da região estão céticos. “Porque eles não podem investir em um projeto para ajudar os agricultores e melhorar suas condições de vida?”, diz Lakhan, um ativista local que atende apenas pelo primeiro nome.
“Nos prometeram água para a irrigação, mas a situação continua a mesma.”
O vilarejo de Nana Pipaliya deveria receber água de uma represa próxima como parte de um projeto de irrigação. Mas os agricultores ainda estão sem água, diz Tadvi.
“Eu consigo fazer apenas uma colheita por ano, enquanto pessoas com estrutura de irrigação conseguem fazer até três”, diz Bhola Tadvi, um agricultor que conta somente de água da chuva para irrigar sua plantação.
De acordo com um censo de 2011, cerca de 85% da população economicamente ativa do distrito trabalha com agricultura – um setor dominado por pequenos agricultores que têm entre dois e quatro acres de terra.
Membros do governo do distrito disseram à BBC que o governo está comprometido com a disponibilização de água. Lakhan diz que milhares de agricultores continuam tendo dificuldade para ter acesso a água para irrigação.
Metade da população da Índia é de trabalhadores rurais, mas a agricultura é responsável por apenas 15% do PIB (Produto Interno Bruto) do país.
Na verdade, o setor encolheu 1,2% neste ano. As fazendas empregam muitas pessoas, mas produzem muito pouco, e milhares de agricultores batalham para pagar empréstimos.
No início do ano, agricultures do Estado de Maharashtra fizeram um enorme protesto pedindo por uma moratória dos empréstimos e por melhores preços para as colheitas.
Em 2017, fazendeiros do distrito de Tamil Nadu, que foi muito afetado pela seca, protestaram usando caveiras humanas com ratos vivos presos entre os dentes para chamar atenção para sua situação.
Em Gujarat, na sombra da estátua de Patel, muitos agricultores chegam a furtar água. Eles desviam ilegalmente a água que passa por muitas das terras da região pelo canal que vem da represa.
Um dos agricultores afirma ter instalado um cano subterrâneo do canal para sua fazenda, dizendo que quase todos os agricultores na área fizeram isso para sobreviver.
“Não temos opção a não ser pegar a água ilegalmente, já que não outras fontes de água para nós.”
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